sábado, 19 de dezembro de 2009

O inverno chegou!


Depois de ter hibernado por um bom tempo e ficado longe do blog, volto pra contar que o inverno chegou (e pra ficar! Pelo menos pelos próximos três meses). Amsterdã está coberta de neve e a temperatura está caindo assustadoramente. Cadê o prometido aquecimento global? Por aqui ainda não há nenhum sinal...

No inverno de 2008, a temperatua na Holanda chegou a -20 e esta noite a previsão já era de -15 em algumas regiões. Em Amsterdã fez -5. Sempre achei que o pior frio era durante a noite, mas aprendi recentemente que o momento mais frio do dia é quando o sol nasce. O que é lógico, mas eu nunca tinha me dado conta. E esta é bem a hora em que saio de casa para o trabalho, por volta de 9 da manhã... (sim, o sol nasce às 9h e lá pelas 15h30 já começa a baixar. Os dias são curtíssimos nesta época).

Mas como todas as estações, o inverno também tem seu charme. A neve tem o mágico poder de transformar todo mundo em criança de novo. É irresistível. Não há quem não tenha vontade de brincar, fazer bolas, bonecos... A primeira nevasca, principalmente, é muito especial. A felicidade de se misturar pela primeira vez ao branco é automática e indescritível!

domingo, 11 de outubro de 2009

Outono e design

Em algum momento na semana passada, de um dia para o outro, o outono começou. De repente as árvores mudaram de cor, começou a ventar e as folhas começaram a cair. Uma das experiências mais interessantes que se tem ao morar nesta latitude é ver a mudança das estações - drástica, muito clara e às vezes repentina.

Outono aqui é época de cogumelos - eles brotam por toda parte formando pequenas cidades futurísticas. Também é época de musgos nas raízes e nos troncos das árvores, e de folhagens avermelhadas, alaranjadas, amareladas - uma festa de cores voando pelas ruas e calçadas a cada rajada de vento.

É também época de muita chuva e muito, muito vento. Não há guarda-chuva que resista. Ou melhor, não havia. Pra enfrentar os temporais holandeses - com muito mais vento do que água - três estudantes da Universidade de Delft inventaram um guarda-chuva aerodinâmico que não vira do avesso. Ele tem um lado alongado que é sempre levado pra trás quando venta e por isso oferece menos resitência. Genial!

Harry (meu namorado) ganhou um de aniversário e logo vamos poder testar.



Os designers holandeses, aliás, são extremamente criativos e pode-se dizer que criaram uma 'marca' para o país nesta área. Eles fazem uma espécie de 'redesign', já que muitas vezes partem de objetos já existentes para criar coisas novas - e o melhor: quase sempre com um viés ecológico. Alguns dos nomes que se destacam são Piet Hein Eek, Jurgen Bey, Marcel Wanders, Hella Jongerius, Tord Bontje, Richard Hutten e o duo Job Smeets e Nynke Tynagel. E também Joep van Lieshout, que fica na fronteira do design e das artes plásticas.

Entre as marcas holandesas que reúnem vários designers legais, Droog Design e Moooi são duas das mais bacanas. Pra fazer compras, minha dica é a Frozen Fountain, no Prinsengracht 645, que tem coisas pra todos os bolsos.

Para trilha sonora deste início de outono, a cantora holandesa, de origem antilhana, Giovanca: "On my way".

sábado, 29 de agosto de 2009

Nada a ver com Amsterdã...

Assim que vi o último post publicado, percebi que este blog realmente parece ter despertado em mim uma vocação para a verborragia escrita - o que não é uma coisa evidente para quem me conhece, já que não sou de falar muito (não é?) - e me fez pensar em Proust (não se assuste com a aparente falta de modéstia, porque o que quero dizer não é bem isso...)

Lembro de ouvir sempre comentários de como Proust é difícil de ler por causa das frases longuíssimas, de 30 linhas, de mais de 4 metros de comprimento e outras medidas assustadoras, o que me fez adiar a leitura de seus livros por muito tempo. Acho que eu já tinha passado dos 40 quando li Proust pela primeira vez (completei 44 este mês e a partir de agora já estou oficialmente perdendo as contas). Foi uma grande revelação: as frases inacabáveis não tornavam a leitura mais difícil e sim mais fácil, porque a gente embarca num pensamento e é levado por ele. Pra mim, foi amor à primeira leitura.

Agora, no meu aniversário, uma amiga me deu de presente 'Como Proust pode mudar sua vida', de Alain de Botton, que eu já tinha lido em português, uns dez anos atrás, antes do primeiro contato com Proust, e agora releio, em inglês, de maneira totalmente diferente depois de finalmente saber do que ele está falando.

Não é o melhor livo de De Botton, mas tem boas sacadas e me trouxe uma lembrança ótima, que sempre me faz rir muito: o concurso do Monty Phyton 'All-England Summarize Proust Competition', em que os canditatos tinham que resumir 'Em busca do tempo perdido' em 15 segundos, primeiro em traje de banho e depois em traje de gala.

Um pouco de humor para o final de semana:

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Literatura pra viagem

Viajar de trem faz parte da rotina de muita gente que vive na Holanda. Como o país é muito pequeno, as pessoas não se dão o trabalho de mudar de cidade quando arrumam um emprego ou vão estudar em outro lugar. Simplesmente vão e voltam de trem todos os dias. É o caso do meu namorado, que há mais de 30 anos mora em Amsterdã e há 25 anos trabalha em Utrecht. E agora é o meu caso também, já que desde dezembro do ano passado estou trabalhando na Radio Nederland, que fica em Hilversum - onde aliás, ficam quase todas as rádios e TVs do país.

Hilversum fica a 30 km de Amsterdã, mas meu trem leva cerca de 40 minutos pra chegar lá, porque é um 'pinga-pinga'. Pára em todas as estações do caminho (5 ao todo, sem contar minha estação de saída, nem a de chegada). Há um trem direto, que leva apenas 15 minutos até lá, mas ele sai da Estação Central de Amsterdã, que fica a mais ou menos 20 minutos de onde eu moro, então, acho mais fácil ir de pinga-pinga mesmo, que aqui é chamado de 'stoptrein'.

Para aproveitar o tempo da viagem, tenho sempre um livro na bolsa e estabeleci que estes 80 minutos de trem, de segunda a sexta, são sempre dedicados à leitura. Tem sido ótimo, porque embora eu sempre tenha gostado muito de ler, às vezes passava semanas sem pegar num livro - revistas e jornais acabavam sempre ganhando prioridade.

E eu, naturalmente, não sou a única que lê no trem. Todo mundo lê no trem (exceto os menores de 25, que preferem passar o tempo ouvindo música ou escrevendo - no celular, é claro).

Os holandeses são apaixonados por livros. Todo mundo parece ler muito. Em qualquer aniversário, pelo menos metade dos presentes são livros. Quase todo mundo também parece já ter escrito um livro (!) e eles acham isso muito natural.

Claro que tem muita coisa ruim publicada aqui também e os best sellers são os mesmos que no resto do mundo. Mas a Holanda tem muitos autores interessantes - poucos publicados no Brasil, infelizmente (um projeto pra mim!)*

Talvez pelos holandeses gostarem tanto de livros, a Holanda tem bibliotecas lindas. Não são aqueles prédios antigos, maravilhosos, lindos de olhar, como em outras cidades européias, mas lugares convidativos, agradáveis: bibliotecas que despertam a vontade de ler. Minhas favoritas são a de Maastricht e a Biblioteca Central de Amsterdã, a OBA (Openbare Bibliotheek Amsterdam). Ir até lá é sempre uma festa!

Dos livros que me acompanharam no trem este ano, dois favoritos: 'De ontsproten Picasso', da holandesa Bianca Stigter, e 'El fotógrafo belga', do chileno Ricardo Cuadros.

Por acaso, conheço os dois escritores, mas não é 'nepotismo' com os amigos. Bianca Stigter, aliás, nem é minha amiga - não porque eu não queira, porque ela me parece ser uma mulher muito interessante. Eu a conheci através de uma outra amiga, que era amiga do marido dela, o vídeo-artista e cineasta britânico Steve McQueen ('Hunger'). E ela, Bianca, é crítica de cinema de um jornal importante daqui, o NRC Handelsblad.

Já Ricardo Cuadros é um colega da Radio Nederland e agora também querido amigo. Um escritor maravilhoso que também merecia ser traduzido para o português e outras línguas.

'El fotógrafo belga' é um romance, uma espécie de 'road-book'. Mas o ponto forte do livro não é a história em si, mas sim o personagem central e a qualidade do texto de Ricardo.

Já 'De ontsproten Picasso' é uma reunião de textos curtos, divagações sobre curiosidades, vida e arte feitas por uma mulher erudita e antenada, no melhor sentido destes dois adjetivos. Um livro que me deixou com vontade de escrever também.

* Pra exercitar o projeto de tradução, aqui vai um pequeno texto sobre Amsterdã incluído em 'De ontsproten Picasso' (o título, aliás, significa algo como 'Picasso brotando')

Cidade dupla

Na esquina da Spiegelstraat com o Prinsengracht, em Amsterdã, vende-se frutas, vinhos, delicatessen, café, chá e outros produtos coloniais. Está nas letras bem desenhadas da fachada. Mas na vitrine estão móveis. No número 51 da Spiegelstraat isso acontece de novo. De acordo com a fachada é um açougue. Mas atrás da vidraça há taças de cristal. Carne vira antiguidade, café vira mesa. Os donos não negam o passado de suas lojas. Há padeiros onde antes havia açougueiros. Com as inscrições que não desapareceram, difíceis de serem apagadas simplesmente porque antigamente se usava materiais mais duradouros, surge quase uma cidade dupla. Dentro da cidade há uma outra cidade, de antigas palavras, inscrições, placas, fachadas. Legendas sem foto.



Aqui o escritor belga Tom Lanoye apresenta a OBA. O vídeo é em holandês, mas dá pra ter uma boa idéia de como é a biblioteca só pelas imagens.

domingo, 2 de agosto de 2009

Gay Pride


A Parada do Orgulho Gay é sempre um dos dias mais animados em Amsterdã. Acontece, em geral, no primeiro final de semana de agosto. Ontem, a cidade estava lotada de gente alegre e bonita. Segundo as estimativas, 560 mil pessoas se reuniram ao longo do Prinsengracht - o canal por onde os barcos da parada passam (sim, aqui o desfile é de barcos!).

O número pode não parecer tão grande se comparado aos números de São Paulo ou Rio, mas é bom lembrar que Amsterdã é uma cidade bem menor que as metrópoles brasileiras - não chega a um milhão de habitantes.

Na parada, os barcos são como trios elétricos: cada um com som próprio e, quase sempre, trazendo um bloco com a mesma fantasia. Uma festa tanto para quem participa quanto para quem assiste.

Tentei fotografar, como faço todos os anos, mas cheguei tarde, não consegui um bom lugar e o mar de gente não me permitiu fazer muita coisa... (taí a foto do mar humano pra comprovar). Mas é claro que hoje já tinha um vídeo no You Tube, então está aí também. Veel plezier!


quarta-feira, 22 de julho de 2009

Chega de verborragia

Tenho me achado meio chata e verborrágica neste blog. Juro que a intenção não era esta...

Pra não começar de novo a chorar pitangas nem dar uma de guia turístico, hoje vou escrever bem pouco e só deixar um presentinho do You Tube: Wende Snijders, cantora holandesa que nos últimos anos tem arrebatado platéias interpretando canções francesas (e belgas! Como esta, linda, do sempre maravilhoso Jacques Brel - 'Le plat pays')

domingo, 19 de julho de 2009

Do outro lado do IJ

Amsterdã é uma cidade cheia de segredos e surpresas. Mesmo quem vive aqui há muito tempo está sempre descobrindo coisas novas.

Meu mais recente ‘local preferido’ da cidade é a NDSM. A sigla vem de Nederlandsche Dok en Scheepsbouw Maatschappij (sociedade holandesa de docas e estaleiros). Fica na região norte, junto ao IJ (pronuncia-se ‘ai’), o braço d’água que liga Amsterdã ao mar.

Logo atrás da Estação Central – que é um prédio lindo do arquiteto P.J.H. Cuypers, construído entre 1881 e 1889 sobre três ilhas artificiais – pode-se pegar o ferry-boat (que aqui se chama pont) que leva até a NDSM. É de graça.

Já na chegada, um submarino semi-emergido e o Botel, um hotel-barco, chamam a atenção. A parada do pont é próxima à IJ-Kantine, um café-restaurante legal, mas um tanto caro. Explorando um pouco mais a região - que pode parecer um grande terreno baldio com barracões abandonados, mas não é -, um outro café, na minha opinião bem mais charmoso, o Noorderlicht, é o lugar perfeito para uma tarde de sol ou uma noite de verão.

Um dos barracões da NDSM é hoje um centro de cultura alternativa, com ateliês, teatro e pista de skate. Ali também rolam altas festas. É um destes lugares meio surreais, em que a gente se sente como personagem de um filme.

Abrindo hoje o site da NDSM, dei de cara com uma fotomontagem superbacana de Marc Faasse, que foi meu professor de fotografia (e é uma graça de holandês!). Ele inventou uma câmara suspensa que utiliza em muitos de seus trabalhos, criando imagens únicas, com um ponto de vista original (em muitos sentidos).

O vídeo abaixo é um clipe feito para o festival Over het IJ, que acontece sempre nas duas primeiras semanas de julho. É de 2007-2008, mas dá uma boa idéia do espírito da NDSM. Os espetáculos são apresentados dentro de contêineres ou ao ar livre, em locações das mais inesperadas...

sábado, 18 de julho de 2009

De graça pela cidade

Dois meses depois...

Entrei em 'crise existencial' e o blog foi a primeira coisa que deixei de lado. Por que será?

A crise existencial continua - na verdade, acho que no meu caso ela é crônica, mas às vezes se torna aguda, e foi o que aconteceu. Por sorte já passou.

Mudando de assunto e entrando no assunto que me trouxe ao blog nesta manhã de sábado (chuvoso, um dia de outono em pleno verão holandês), ontem traduzi uma matéria superinteressante de um colega da Radio Nederland para o site em português, Grátis: o cúmulo da reciclagem. O texto fala, entre outras coisas, sobre o livro "Free", do americano Chris Anderson, com sua teoria sobre produtos e serviços gratuitos.

Isso me fez pensar em todos os ótimos programas gratuitos que Amsterdã oferece. Um dos meus favoritos é o lunchconcert do Concertgebouw, um concerto na hora do almoço, sempre às quartas-feiras, com entrada franca. Como os concertos de música clássica aqui costumam ser muito caros, o lunchconcert é uma opotunidade única para ver grandes solistas e grandes maestros sem ter que desembolsar nada. Tem que chegar com alguma antecedência, porque os concertos são bem concorridos, mas a sala é grande, então são poucos os que ficam de fora.

Os concertos gratuitos são curtos - entre 30 e 45 minutos -, mas valem a pena. Eu já assisti a concertos na hora do almoço regidos por por Zubin Mehta, Colin Davis, Riccardo Chailly, Mariss Jansons (os dois últimos, os mais recentes regentes titulares da Orquestra do Concertgebouw, que é atualmente considerada a melhor do mundo). E o melhor, na minha opinião, é pegar os assentos atrás da orquestra, de onde se vê o maestro de frente, o que é uma experiência muito especial.

E os concertos na hora do almoço não acontecem apenas no Concertgebouw. A Stopera (como é popularmente chamado o prédio que reúne a prefeitura e a ópera) e o Muziekgebouw aan 't IJ têm seu lunchconcert às terça-feiras, a Westerkerk às sextas, e dando uma olhada na programação da cidade é possível encontrar outros, esporádicos, em igrejas, bibliotecas, etc. O horário é sempre o mesmo: 12h30.

A Bimhuis, o melhor palco para shows de jazz e world music de Amsterdã, também costuma ter apresentações gratuitas, às 20h30, nas segundas ou terça-feiras. Vale ficar de olho no site.

Durante o verão, o Vondelpark - o Central Park de Amsterdã - também tem uma boa programação de shows no Openluchttheater, o teatro ao ar livre. Em outro parque, o Amsterdamse Bos, a tradição é Shakespeare no BosTheater, sempre com grandes montagens. Este ano, "A Tempestade". As pessoas em geral vão mais cedo, com cestas de piquenique e garrafas de vinho, e fazem um programa grátis completo (se bem que, ali não é tão grátis assim... Embora não seja cobrada entrada, os artistas passam o chapéu no final da peça e espera-se que todo mundo dê algum trocado).

Em agosto, há também o Uitmarkt, uma espécie de festival que marca o início da temporada de espetáculos. Durante um fim de semana inteiro, vários espetáculos de teatro, música e dança que estarão em cartaz nos meses seguintes fazem sessões gratuitas ou apresentam pelo menos parte do show de graça.

Para a trilha sonora de hoje, 'Das Himmlische Leben', da Sinfonia n.4 de Mahler, com a solista Christinne Schafer e a Orquestra Real do Concertgebouw de Amsterdã, sob regência de um de seus maestros mais famosos, Bernard Haitink (Márcio, você havia me perguntado se ele ainda era vivo - completou 80 anos este ano!).

domingo, 17 de maio de 2009

Rota das artes

Terminou hoje em Amsterdã a principal feira de arte da cidade, a Art Amsterdam, que acontece todos os anos na RAI, um centro de convenções e exposições perto da estação de mesmo nome. Ao que parece, a crise está influenciando bastante o mercado de arte. A maioria das galerias optou este ano por mostrar trabalhos de artistas já estabelecidos e, em geral, obras mais convencionais (e por isso mais 'vendáveis').

Conhecida por seus grandes museus, como o Rijksmuseum (onde estão, entre outras, obras primas de Rembrandt e Vermeer - aliás, no momento, um Vermeer a mais, emprestado da Washington Gallery), Van Gogh Museum (que agora está com uma mostra sobre as cores da noite na pintura de Van Gogh) e Stedelijk Museum (fechado para reformas até o final deste ano), Amsterdã também tem uma série de outros museus menores e muitas galerias que valem a visita.

Um dos meus lugares favoritos é a Huis Marseille, no Keizersgracht, um espaço dedicado à fotografia e videoarte. Além das ótimas exposições, a Huis Marseille, que tem como sede um casarão do século XVII, ainda tem uma maravilhosa biblioteca de fotografia, com vista para um jardim que é um pequeno oásis no centro da cidade.

Outros bons endereços são o Foam (Museu de Fotografia de Amsterdã), De Appel (centro de arte contemporânea) e galerias como a W139 e a Fons Welters.

Para ilustrar o post de hoje, vídeos de exposições de duas das artistas holandesas de maior destaque internacional na atualidade, Rineke Dijkstra e Marlene Dumas (que nasceu na África do Sul, mas vive e trabalha na Holanda desde 1976).



sábado, 16 de maio de 2009

Na sala escura

Mais de dez dias sem dar notícias...

Estive fora de circulação por conta de um amor antigo - o cinema. Na última semana, aconteceu o festival de cinema latino-americano em Utrecht, o LAFF, um dos festivais mais simpáticos da Holanda.

Utrecht fica a apenas meia hora de trem de Amsterdã e é um desses lugares utópicos - uma cidade de porte médio, que oferece tudo de bom que uma cidade grande pode oferecer, mas é tranquila como uma cidadezinha de interior. Além de ser uma das mais lindas cidades holandesas (adoro Amsterdã, mas devo confessar que tenho uma queda por Utrecht...)

De volta ao cinema, durante o LAFF pude tirar o atraso com os filmes brasileiros e bater um papo com Walter Salles (muito querido, muito sedutor e sempre muito atencioso com todos). Também assisti a um bonito filme peruano, "La teta asustada" (vencedor do festival de Berlim deste ano), de Claudia Llosa (sim, filha do Mario), e o extraordinário "Historias extraordinárias", do argentino Mariano Llinás, um filme com mais de 4 horas de duração, cheio de ousadias e com muita vocação pra virar cult.

Pra quem gosta de cinema (quem não gosta?), outros bons momentos para se estar na Holanda são janeiro, para o Festival Internacional de Roterdã - o maior do país e um dos principais da Europa -, e novembro, para o IDFA, em Amsterdã - maior festival de documentários do mundo.

Em Roterdã, assiti este ano a alguns filmes imperdíveis. Não sei se já chegaram ao Brasil, mas vale a pena ficar de olho: "Tôkyô Sonata", belíssimo filme de Kiyoshi Kurozawa; "The sound of insects", insólito longa do suíço Peter Liechti; e o documentário "Fixer: The Taking of Ajmal Naqshbandi", de Ian Olds(este é pesadíssimo, mas é muito bom, especialmente para jornalistas).

O IDFA, em Amsterdã, é sempre cheio de surpresas, já que apesar da popularidade que o documentário vem ganhando ultimamente, ainda é um gênero menos prestigiado pelo público e pelos exibidores. Ao longo dos anos, assisti no IDFA vários dos filmes que hoje colocaria na minha lista de favoritos, entre eles o excelente "Darwin's Nightmare", do austríaco Hubert Sauper; "Svyato", do russo Viktor Kosakovsky (que registra o momento em que uma criança se vê pela primeira vez no espelho - um filme que em sua simplicidade consegue ser altamente revelador da natureza humana); o lindo "Encounters at the end of the world", de Werner Herzog (aliás, encontrar Herzog em pessoa também foi marcante!); "Stranded", do uruguaio Gonzalo Arijon (que conseguiu fazer um filme primoroso a partir de um tema difícil e já outras vezes abordado pelo cinema e pela literatura - o acidente aéreo com o time uruguaio de rugby nos Andes, nos anos 70), e o provocante documentário do artista plástico holandês Renzo Martens, "Episode 3: Enjoy Poverty", sobre a vergonhosa maneira como a pobreza na África é mantida e explorada pelos países ricos, pelos governos africanos e, muitas vezes, pelas próprias organizações humanitárias.

Como o assunto é cinema, escolhi para este post um trecho de um filme de um realizador holandês (de Utrecht!), do qual alguns com certeza vão lembrar: "De Illusionist", de Jos Stelling.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Repensamentos

A Holanda relembra no dia 4 de maio as vítimas da Segunda Guerra Mundial e de todas as guerras. No Herdenkingsdag, o país faz dois minutos de completo silêncio, sempre a partir das 20h. Os carros param, os trens param, os bondes e barcos param, a tv e o rádio ficam mudos. Todos silenciam.

É uma homenagem e ao mesmo tempo um momento para que cada um pare para pensar sobre quão graves são as guerras, e quão trágica é sua herança de morte. O mais triste é saber que elas ainda acontecem e que todos os dias atrocidades são cometidas no Congo, no Sudão, no Iraque, no Afeganistão... e sabe-se lá em quantos outros lugares que não estão na mídia.

Eu moro numa praça linda em Amsterdã, a Merwedeplein. Um lugar tranquilo, onde só se ouve o som dos pássaros cantando nas árvores, das crianças brincando e jogando bola na grama. Até o trânsito aqui é silencioso, porque é basicamente de ciclistas, já que o formato triangular da praça faz com que os carros prefiram outras rotas. A guerra não poderia estar mais distante.

Nesta mesma praça, bem em frente ao meu apartamento, morava a família Frank. 'Het Achterhuis' ('A casa de trás' - mais conhecido no Brasil como 'O Diário de Anne Frank'), um dos livros mais vendidos em todo o mundo, começou a ser escrito aqui, como um inocente diário de adolescente. As drásticas mudanças na vida da família Frank, quando tiveram que deixar o apartamento da Merwedeplein e se esconder dos nazistas na casa de trás da firma de Otto Frank, no Prinsengracht - que hoje abriga o Museu Casa de Anne Frank -, são contadas por Anne de maneira tocante num relato pessoal que acabou se transformando num dos mais importantes registros da Segunda Guerra Mundial. Sua voz deu ao mundo um rosto para os milhões de judeus que sofreram os horrores da guerra.

Anne Frank morreu num campo de concentração nazista em Bergen-Belsen, aos 15 anos, no início de março de 1945 - um mês antes do campo ser libertado pelos ingleses.

É muito provável que os antigos moradores do meu apartamento também fossem judeus e que também tenham morrido num campo de concentração.

A guerra não está tão longe assim.

Vindo pra casa de bonde outro dia, vi uma mulher negra que me chamou a atenção pelos cabelos muito, muito longos, com dreadlocks finos, bonitos, quase batendo no joelho. Só quando saiu do bonde percebi que tinha uma enorme cicatriz indo do canto da boca até quase a orelha - uma das horríveis formas de mutilação feitas pelos hutus contra os tutsis em Ruanda no conflito que resultou na morte de quase um milhão de pessoas em 1994.

A guerra está muito mais perto do que parece.

Para a trilha sonora de hoje, dois minutos de silêncio...

domingo, 3 de maio de 2009

Nova Amsterdã

Muita gente não sabe, mas o nome original de Nova York era Nova Amsterdã. O capitão Henry Hudson (que era inglês, mas trabalhava para a holandesa VOC - a Companhia das Índias, nossa velha conhecida das aulas de História...) chegou à costa leste do Estados Unidos com o navio holandês 'De Halve Maen' (A Meia Lua) em 1609 e encontrou a ilha de Manahatta, então habitada por indígenas e hoje conhecida como Manhattan. Querendo começar um novo posto de comércio, os holandeses compraram a ilha dos nativos, pagando na época 60 florins.

Daí o fato de bairros e locais de NY terem nomes holandeses, como Harlem e Wall Street (originalmente De Waalstraat, em referência ao rio de mesmo nome que passa pela Holanda - e eu, por acaso, moro na esquina da Waalstraat em Amsterdã).

400 anos depois, as duas cidades ainda mantêm algumas coisas em comum, como a enorme mistura de nacionalidades (item no qual Amsterdã, aliás, ganha de NY). A influência holandesa é de séculos atrás, mas ainda pode ser sentida - uma das razões pelas quais quem visita NY percebe imediatamente que a cidade é muito diferente do restante dos EUA.

Para comemorar os 400 anos da chegada de Hudson à ilha, o Rijksmuseum em Amsterdã está exibindo alguns documentos históricos, como a carta que comprova a compra de Manhattan pelos tais 60 florins (convertendo para a moeda atual, mais ou menos 30 euros, que mesmo na época não era nenhuma soma fabulosa...)

Fazendo uma conexão pessoal entre as duas cidades, escolho para a trilha sonora de hoje a nova-iorquina Esperanza Spalding, que vi e ouvi pela primeira vez no palco da Bimhuis, na velha Amsterdã.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Dia da Rainha

Um dos dias mais divertidos para se estar em Amsterdã é o 'Dia da Rainha', Koninginnedag, festejado em 30 de abril (nesta quinta-feira!).

A data marcava o aniversário da rainha Juliana, que faleceu em 2004 e este ano completaria 100 anos. A atual rainha, Beatrix, assumiu o trono em 1980 (na Holanda eles não esperam morrer para passar o cetro adiante), mas como seu aniversário é em pleno inverno, deixou que as comemorações continuassem no 30 de abril. E o próximo rei, Willem Alexander, deve deixar também, porque seu aniversário foi ontem, dia 27, e não tem porque mudar a data da festa, que já 'pegou' no dia 30.

Realezas à parte, Koninginnedag é o dia dos plebeus serem mais plebeus. Em Amsterdã, a tradição é ir pra rua com toda a tralha que você não quer mais e tentar passar pra frente por alguns trocados. A cidade vira um gigantesco bazar, com milhares de potenciais vendedores e compradores vestindo cor de laranja - a cor da família real, os Oranje-Nassau (sim, sim, o nosso Maurício era parente).

Com uns poucos euros, dá pra voltar pra casa com CDs, DVDs, livros, roupa, sapato, brinquedo, barco ou o que você imaginar. Tudo que é posto na rua está à venda, e vale negociar o preço.

Quem não tem tralha, como eu, vai procurar tesouros na tralha dos outros. Já comprei no Koninginnedag dois lindos copos de chá marroquinos, uma travessa de madeira esquisita, mas muito bonita, e outros tantos objetos que agora habitam os armários da minha cozinha.

No fim do dia, nas principais praças da cidade, cantores e bandas se apresentam em palcos ao ar livre, em programas em geral patrocinados pelas rádios locais - portanto, muita música de FM, muita cerveja e a festa vai longe... Na Museumplein, o show de encerramento será com Tiësto.

Mas há opções aqui e ali pra quem prefere outro tipo de música.

A trilha sonora de hoje é com a cantora holandesa Renske Taminiau, que é a atração do Koninginnedag no Concertgebouw.



PS - Carlos Dala Stella perguntou por que chamam Amsterdã de Mokum.
Mokum é uma palavra yiddish para 'lugar' (em hebreu 'makom') e era usada para algumas cidades da Alemanha e da Holanda (Berlim, Amsterdã, Roterdã e Delft), seguida da primeira letra do nome da cidade no alfabeto hebraico. Amsterdã era, portanto, a Cidade A, Berlim a Cidade B. Mas no fim, apenas Amsterdã continuou com o nome, e virou simplesmente Mokum, o lugar por excelência.

domingo, 26 de abril de 2009

Pra começar...

Depois de algum tempo pensando na idéia, e sempre adiando, resolvi começar hoje, um domingo cinzento de abril, este blog sobre Amsterdã.

Devia ter começado ontem, um dia lindo de sol, mas... em dias lindos de sol há coisas melhores pra fazer do que ficar em frente ao computador.

Por falar em dias de sol, a Holanda tem um dia curioso que marca o início da primavera/verão: o 'Dia da Sainha' (Rokjesdag), uma invenção do escritor e colunista Martin Bril (um dos colunistas mais populares da Holanda, e especialmente de Amsterdã, que infelizmente acaba de falecer).

Mas, voltando ao 'Dia da Sainha', trata-se do primeiro dia do ano em que as mulheres saem às ruas de saia, sem meia calça. Para as brasileiras que moram nos Países Baixos este dia só acontece lá por junho, julho, mas para as holandesas, mais resistentes ao frio, costuma ser em algum momento de abril - assim que a temperatura chega a dois dígitos.

Depois de um inverno longo (pra mim, começou em outubro de 2008 e só está terminando agora) e rigoroso (em dezembro e janeiro o termômetro também chegou a dois dígitos, mas negativos...), nada como enfim ver a primavera dar as caras.

Em nenhuma outra estação do ano Amsterdã fica tão linda. As flores que brotam por quase toda parte, o verde novo das árvores, os pássaros cantando enlouquecidos, as crianças correndo pelos parques, finalmente livres das camadas e camadas de roupas.

É tão bonito, tão bom e tão colorido que nenhum domingo cinzento pode apagar.

Tot ziens!

PS - para quem não sabe, e estranhar o nome do blog, Mokum é o apelido de Amsterdã, entre os próprios moradores da cidade.

Para a trilha musical de hoje, a cantora holandesa de origem surinamesa, Sabrina Starke.