quarta-feira, 7 de julho de 2010

O par perfeito

Café Krull, esquina do Sarphatipark no De Pijp (pra quem ainda não conhece, um dos bairros mais agradáveis e animados de Amsterdã), 18h de um belo dia de verão. Enquanto esperava uma amiga, pedi uma taça de vinho branco e fiquei assitindo às pessoas que passavam. É um dos melhores programas do mundo: observar pessoas. Mais ainda em Amsterdã, onde circulam todos os tipos imagináveis.

Me chamou a atenção um casal que andava de mãos dadas. Os dois tatuados da cabeça aos pés. O par perfeito. Lindos, com sua pele estampada, passeando sob o sol do fim da tarde. Dois iguais que se encontraram. Me fez pensar naqueles joguinhos de memória - uma das minhas brincadeiras favoritas quando pequena - e ficar procurando dentre os outros, que passavam sozinhos, quem seria o par escondido de um e de outro. O meu, infelizmente, não passou a tempo. Minha amiga chegou e a conversa tomou outros rumos. Mas lá fora o jogo continua...

Pra trilha sonora do dia, 'That Man', com a holandesa Caro Emerald.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Futebol, ora bolas...

Amsterdã alaranjou. Os holandeses são quase tão fanáticos por futebol quanto os brasileiros, mas a comemoração durante e depois de um jogo é bem mais silenciosa.

Hoje a Holanda estreou na Copa da África do Sul e ganhou de 2 a 0 da Dinamarca. Eu estava em uma entrevista e não pude assistir ao jogo, mas quando finalmente terminei o dia de trabalho e voltei para casa, nada indicava qual tinha sido o resultado da partida. Incrível! Talvez no centro da cidade as pessoas estivessem comemorando, mas no mais, nenhum barulhinho que desse algum sinal da vitória.

Os fogos de artifício e rojões são proibidos. O único momento em que são permitidos é na virada do ano, e aí a cidade parece um campo de guerra com bombas explodindo em toda parte (é o único dia em que é realmente perigoso andar de bicicleta por Amsterdã). Mas e as buzinas? E as vuvuzelas?

Nunca houve uma Copa tão barulhenta como esta, e aqui nada? Vitória numa partida da Copa sem comemoração coletiva é estranho até para alguém que, como eu, não dá muita bola pra futebol...

E por falar em bola, uma curiosidade: a da Copa 2010 foi desenhada por uma holandesa, a designer de produto Janneke van Oorschot, que é designer senior de bolas de futebol da Adidas.

Outra curiosidade que criou uma certa polêmica foi o DutchyDress, um mini-vestido alaranjado que a marca de cerveja Bavaria (a holandesa) está dando como brinde na compra do pacote de 8 latinhas durante a Copa. A garota-propaganda é a esposa do craque da seleção Oranje Rafael van der Vaart. Mas a polêmica surgiu porque a Bavaria não é a cerveja patrocinadora das transmissões da Copa... Foi, sim, a mais esperta, já que graças ao DutchyDress acabou com enorme destaque na mídia.

Mas como já deu pra perceber, bolas, Copa do Mundo e vestidinhos não são exatamente a minha praia, então vou deixar este post por aqui...

Para a trilha sonora, a música "Futebol", do Zuco 103, grupo que é apontado como o melhor show ao vivo da Holanda e liderado pela brasileiríssima (e simpaticíssima) Lílian Vieira!

domingo, 9 de maio de 2010

Primavera com Matisse



Tive que hibernar de novo porque até hoje, por incrível que pareça, o inverno não terminou na Holanda. Oficialmente, a primavera já começou há muito tempo, mas a temperatura continua lá embaixo... Hoje o termômetro está em 8 graus.

Que fazer? Desistir de vez de Amsterdã? O jeito é buscar abrigo e conforto em lugares fechados. A Biblioteca Pública - abrigo pra todas as horas -, o cinema (assisti 'Gainsbourg (vie heroïque)' esta semana e adorei!), os museus...

A novidade - maravilhosa novidade - na cidade é o Hermitage Amsterdam, um braço do museu de São Petersburgo que traz exposições temporárias de partes do acervo russo para Amsterdã. Um privilégio. Quem mora ou apenas passa por Amsterdã não pode deixar de ver.

Até setembro de 2010, o Hermitage Amsterdam está apresentando obras das coleções de Shchukin e Morozov - os dois comerciantes de tecidos russos que no início do século XX compraram dezenas de Matisses, Picassos, Van Dongens, Kandinskys, Malevitchs. A cada viagem a Paris eles voltavam com novas telas. Apresentaram o modernismo aos pintores russos e fizeram história. Tudo depois confiscado pela revolução, e agora em exposição em Amsterdã.

Dizem que o tempo médio de um visitante de museu em frente a cada obra é 8 segundos. Devo ter feito subir muito esta média depois de passar pelo menos meia hora extasiada diante - pela primeira vez na vida - de 'La chambre rouge', de Matisse (que é muito maior e muito mais lindo do que eu jamais imaginei!) e mais hora e meia embasbacada com 'Composition VI', o Kandinsky mais fantástico do mundo!

E hoje é o último dia para ver 'La Danse', de Matisse - que nenhum adjetivo, superlativo ou o que seja pode descrever. O quadro fez uma aparição especialíssima na exposição por apenas seis semanas e já vai voltar para a Rússia.

Se estiver em Amsterdã, corra pra lá!

sábado, 19 de dezembro de 2009

O inverno chegou!


Depois de ter hibernado por um bom tempo e ficado longe do blog, volto pra contar que o inverno chegou (e pra ficar! Pelo menos pelos próximos três meses). Amsterdã está coberta de neve e a temperatura está caindo assustadoramente. Cadê o prometido aquecimento global? Por aqui ainda não há nenhum sinal...

No inverno de 2008, a temperatua na Holanda chegou a -20 e esta noite a previsão já era de -15 em algumas regiões. Em Amsterdã fez -5. Sempre achei que o pior frio era durante a noite, mas aprendi recentemente que o momento mais frio do dia é quando o sol nasce. O que é lógico, mas eu nunca tinha me dado conta. E esta é bem a hora em que saio de casa para o trabalho, por volta de 9 da manhã... (sim, o sol nasce às 9h e lá pelas 15h30 já começa a baixar. Os dias são curtíssimos nesta época).

Mas como todas as estações, o inverno também tem seu charme. A neve tem o mágico poder de transformar todo mundo em criança de novo. É irresistível. Não há quem não tenha vontade de brincar, fazer bolas, bonecos... A primeira nevasca, principalmente, é muito especial. A felicidade de se misturar pela primeira vez ao branco é automática e indescritível!

domingo, 11 de outubro de 2009

Outono e design

Em algum momento na semana passada, de um dia para o outro, o outono começou. De repente as árvores mudaram de cor, começou a ventar e as folhas começaram a cair. Uma das experiências mais interessantes que se tem ao morar nesta latitude é ver a mudança das estações - drástica, muito clara e às vezes repentina.

Outono aqui é época de cogumelos - eles brotam por toda parte formando pequenas cidades futurísticas. Também é época de musgos nas raízes e nos troncos das árvores, e de folhagens avermelhadas, alaranjadas, amareladas - uma festa de cores voando pelas ruas e calçadas a cada rajada de vento.

É também época de muita chuva e muito, muito vento. Não há guarda-chuva que resista. Ou melhor, não havia. Pra enfrentar os temporais holandeses - com muito mais vento do que água - três estudantes da Universidade de Delft inventaram um guarda-chuva aerodinâmico que não vira do avesso. Ele tem um lado alongado que é sempre levado pra trás quando venta e por isso oferece menos resitência. Genial!

Harry (meu namorado) ganhou um de aniversário e logo vamos poder testar.



Os designers holandeses, aliás, são extremamente criativos e pode-se dizer que criaram uma 'marca' para o país nesta área. Eles fazem uma espécie de 'redesign', já que muitas vezes partem de objetos já existentes para criar coisas novas - e o melhor: quase sempre com um viés ecológico. Alguns dos nomes que se destacam são Piet Hein Eek, Jurgen Bey, Marcel Wanders, Hella Jongerius, Tord Bontje, Richard Hutten e o duo Job Smeets e Nynke Tynagel. E também Joep van Lieshout, que fica na fronteira do design e das artes plásticas.

Entre as marcas holandesas que reúnem vários designers legais, Droog Design e Moooi são duas das mais bacanas. Pra fazer compras, minha dica é a Frozen Fountain, no Prinsengracht 645, que tem coisas pra todos os bolsos.

Para trilha sonora deste início de outono, a cantora holandesa, de origem antilhana, Giovanca: "On my way".

sábado, 29 de agosto de 2009

Nada a ver com Amsterdã...

Assim que vi o último post publicado, percebi que este blog realmente parece ter despertado em mim uma vocação para a verborragia escrita - o que não é uma coisa evidente para quem me conhece, já que não sou de falar muito (não é?) - e me fez pensar em Proust (não se assuste com a aparente falta de modéstia, porque o que quero dizer não é bem isso...)

Lembro de ouvir sempre comentários de como Proust é difícil de ler por causa das frases longuíssimas, de 30 linhas, de mais de 4 metros de comprimento e outras medidas assustadoras, o que me fez adiar a leitura de seus livros por muito tempo. Acho que eu já tinha passado dos 40 quando li Proust pela primeira vez (completei 44 este mês e a partir de agora já estou oficialmente perdendo as contas). Foi uma grande revelação: as frases inacabáveis não tornavam a leitura mais difícil e sim mais fácil, porque a gente embarca num pensamento e é levado por ele. Pra mim, foi amor à primeira leitura.

Agora, no meu aniversário, uma amiga me deu de presente 'Como Proust pode mudar sua vida', de Alain de Botton, que eu já tinha lido em português, uns dez anos atrás, antes do primeiro contato com Proust, e agora releio, em inglês, de maneira totalmente diferente depois de finalmente saber do que ele está falando.

Não é o melhor livo de De Botton, mas tem boas sacadas e me trouxe uma lembrança ótima, que sempre me faz rir muito: o concurso do Monty Phyton 'All-England Summarize Proust Competition', em que os canditatos tinham que resumir 'Em busca do tempo perdido' em 15 segundos, primeiro em traje de banho e depois em traje de gala.

Um pouco de humor para o final de semana:

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Literatura pra viagem

Viajar de trem faz parte da rotina de muita gente que vive na Holanda. Como o país é muito pequeno, as pessoas não se dão o trabalho de mudar de cidade quando arrumam um emprego ou vão estudar em outro lugar. Simplesmente vão e voltam de trem todos os dias. É o caso do meu namorado, que há mais de 30 anos mora em Amsterdã e há 25 anos trabalha em Utrecht. E agora é o meu caso também, já que desde dezembro do ano passado estou trabalhando na Radio Nederland, que fica em Hilversum - onde aliás, ficam quase todas as rádios e TVs do país.

Hilversum fica a 30 km de Amsterdã, mas meu trem leva cerca de 40 minutos pra chegar lá, porque é um 'pinga-pinga'. Pára em todas as estações do caminho (5 ao todo, sem contar minha estação de saída, nem a de chegada). Há um trem direto, que leva apenas 15 minutos até lá, mas ele sai da Estação Central de Amsterdã, que fica a mais ou menos 20 minutos de onde eu moro, então, acho mais fácil ir de pinga-pinga mesmo, que aqui é chamado de 'stoptrein'.

Para aproveitar o tempo da viagem, tenho sempre um livro na bolsa e estabeleci que estes 80 minutos de trem, de segunda a sexta, são sempre dedicados à leitura. Tem sido ótimo, porque embora eu sempre tenha gostado muito de ler, às vezes passava semanas sem pegar num livro - revistas e jornais acabavam sempre ganhando prioridade.

E eu, naturalmente, não sou a única que lê no trem. Todo mundo lê no trem (exceto os menores de 25, que preferem passar o tempo ouvindo música ou escrevendo - no celular, é claro).

Os holandeses são apaixonados por livros. Todo mundo parece ler muito. Em qualquer aniversário, pelo menos metade dos presentes são livros. Quase todo mundo também parece já ter escrito um livro (!) e eles acham isso muito natural.

Claro que tem muita coisa ruim publicada aqui também e os best sellers são os mesmos que no resto do mundo. Mas a Holanda tem muitos autores interessantes - poucos publicados no Brasil, infelizmente (um projeto pra mim!)*

Talvez pelos holandeses gostarem tanto de livros, a Holanda tem bibliotecas lindas. Não são aqueles prédios antigos, maravilhosos, lindos de olhar, como em outras cidades européias, mas lugares convidativos, agradáveis: bibliotecas que despertam a vontade de ler. Minhas favoritas são a de Maastricht e a Biblioteca Central de Amsterdã, a OBA (Openbare Bibliotheek Amsterdam). Ir até lá é sempre uma festa!

Dos livros que me acompanharam no trem este ano, dois favoritos: 'De ontsproten Picasso', da holandesa Bianca Stigter, e 'El fotógrafo belga', do chileno Ricardo Cuadros.

Por acaso, conheço os dois escritores, mas não é 'nepotismo' com os amigos. Bianca Stigter, aliás, nem é minha amiga - não porque eu não queira, porque ela me parece ser uma mulher muito interessante. Eu a conheci através de uma outra amiga, que era amiga do marido dela, o vídeo-artista e cineasta britânico Steve McQueen ('Hunger'). E ela, Bianca, é crítica de cinema de um jornal importante daqui, o NRC Handelsblad.

Já Ricardo Cuadros é um colega da Radio Nederland e agora também querido amigo. Um escritor maravilhoso que também merecia ser traduzido para o português e outras línguas.

'El fotógrafo belga' é um romance, uma espécie de 'road-book'. Mas o ponto forte do livro não é a história em si, mas sim o personagem central e a qualidade do texto de Ricardo.

Já 'De ontsproten Picasso' é uma reunião de textos curtos, divagações sobre curiosidades, vida e arte feitas por uma mulher erudita e antenada, no melhor sentido destes dois adjetivos. Um livro que me deixou com vontade de escrever também.

* Pra exercitar o projeto de tradução, aqui vai um pequeno texto sobre Amsterdã incluído em 'De ontsproten Picasso' (o título, aliás, significa algo como 'Picasso brotando')

Cidade dupla

Na esquina da Spiegelstraat com o Prinsengracht, em Amsterdã, vende-se frutas, vinhos, delicatessen, café, chá e outros produtos coloniais. Está nas letras bem desenhadas da fachada. Mas na vitrine estão móveis. No número 51 da Spiegelstraat isso acontece de novo. De acordo com a fachada é um açougue. Mas atrás da vidraça há taças de cristal. Carne vira antiguidade, café vira mesa. Os donos não negam o passado de suas lojas. Há padeiros onde antes havia açougueiros. Com as inscrições que não desapareceram, difíceis de serem apagadas simplesmente porque antigamente se usava materiais mais duradouros, surge quase uma cidade dupla. Dentro da cidade há uma outra cidade, de antigas palavras, inscrições, placas, fachadas. Legendas sem foto.



Aqui o escritor belga Tom Lanoye apresenta a OBA. O vídeo é em holandês, mas dá pra ter uma boa idéia de como é a biblioteca só pelas imagens.