domingo, 17 de maio de 2009

Rota das artes

Terminou hoje em Amsterdã a principal feira de arte da cidade, a Art Amsterdam, que acontece todos os anos na RAI, um centro de convenções e exposições perto da estação de mesmo nome. Ao que parece, a crise está influenciando bastante o mercado de arte. A maioria das galerias optou este ano por mostrar trabalhos de artistas já estabelecidos e, em geral, obras mais convencionais (e por isso mais 'vendáveis').

Conhecida por seus grandes museus, como o Rijksmuseum (onde estão, entre outras, obras primas de Rembrandt e Vermeer - aliás, no momento, um Vermeer a mais, emprestado da Washington Gallery), Van Gogh Museum (que agora está com uma mostra sobre as cores da noite na pintura de Van Gogh) e Stedelijk Museum (fechado para reformas até o final deste ano), Amsterdã também tem uma série de outros museus menores e muitas galerias que valem a visita.

Um dos meus lugares favoritos é a Huis Marseille, no Keizersgracht, um espaço dedicado à fotografia e videoarte. Além das ótimas exposições, a Huis Marseille, que tem como sede um casarão do século XVII, ainda tem uma maravilhosa biblioteca de fotografia, com vista para um jardim que é um pequeno oásis no centro da cidade.

Outros bons endereços são o Foam (Museu de Fotografia de Amsterdã), De Appel (centro de arte contemporânea) e galerias como a W139 e a Fons Welters.

Para ilustrar o post de hoje, vídeos de exposições de duas das artistas holandesas de maior destaque internacional na atualidade, Rineke Dijkstra e Marlene Dumas (que nasceu na África do Sul, mas vive e trabalha na Holanda desde 1976).



sábado, 16 de maio de 2009

Na sala escura

Mais de dez dias sem dar notícias...

Estive fora de circulação por conta de um amor antigo - o cinema. Na última semana, aconteceu o festival de cinema latino-americano em Utrecht, o LAFF, um dos festivais mais simpáticos da Holanda.

Utrecht fica a apenas meia hora de trem de Amsterdã e é um desses lugares utópicos - uma cidade de porte médio, que oferece tudo de bom que uma cidade grande pode oferecer, mas é tranquila como uma cidadezinha de interior. Além de ser uma das mais lindas cidades holandesas (adoro Amsterdã, mas devo confessar que tenho uma queda por Utrecht...)

De volta ao cinema, durante o LAFF pude tirar o atraso com os filmes brasileiros e bater um papo com Walter Salles (muito querido, muito sedutor e sempre muito atencioso com todos). Também assisti a um bonito filme peruano, "La teta asustada" (vencedor do festival de Berlim deste ano), de Claudia Llosa (sim, filha do Mario), e o extraordinário "Historias extraordinárias", do argentino Mariano Llinás, um filme com mais de 4 horas de duração, cheio de ousadias e com muita vocação pra virar cult.

Pra quem gosta de cinema (quem não gosta?), outros bons momentos para se estar na Holanda são janeiro, para o Festival Internacional de Roterdã - o maior do país e um dos principais da Europa -, e novembro, para o IDFA, em Amsterdã - maior festival de documentários do mundo.

Em Roterdã, assiti este ano a alguns filmes imperdíveis. Não sei se já chegaram ao Brasil, mas vale a pena ficar de olho: "Tôkyô Sonata", belíssimo filme de Kiyoshi Kurozawa; "The sound of insects", insólito longa do suíço Peter Liechti; e o documentário "Fixer: The Taking of Ajmal Naqshbandi", de Ian Olds(este é pesadíssimo, mas é muito bom, especialmente para jornalistas).

O IDFA, em Amsterdã, é sempre cheio de surpresas, já que apesar da popularidade que o documentário vem ganhando ultimamente, ainda é um gênero menos prestigiado pelo público e pelos exibidores. Ao longo dos anos, assisti no IDFA vários dos filmes que hoje colocaria na minha lista de favoritos, entre eles o excelente "Darwin's Nightmare", do austríaco Hubert Sauper; "Svyato", do russo Viktor Kosakovsky (que registra o momento em que uma criança se vê pela primeira vez no espelho - um filme que em sua simplicidade consegue ser altamente revelador da natureza humana); o lindo "Encounters at the end of the world", de Werner Herzog (aliás, encontrar Herzog em pessoa também foi marcante!); "Stranded", do uruguaio Gonzalo Arijon (que conseguiu fazer um filme primoroso a partir de um tema difícil e já outras vezes abordado pelo cinema e pela literatura - o acidente aéreo com o time uruguaio de rugby nos Andes, nos anos 70), e o provocante documentário do artista plástico holandês Renzo Martens, "Episode 3: Enjoy Poverty", sobre a vergonhosa maneira como a pobreza na África é mantida e explorada pelos países ricos, pelos governos africanos e, muitas vezes, pelas próprias organizações humanitárias.

Como o assunto é cinema, escolhi para este post um trecho de um filme de um realizador holandês (de Utrecht!), do qual alguns com certeza vão lembrar: "De Illusionist", de Jos Stelling.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Repensamentos

A Holanda relembra no dia 4 de maio as vítimas da Segunda Guerra Mundial e de todas as guerras. No Herdenkingsdag, o país faz dois minutos de completo silêncio, sempre a partir das 20h. Os carros param, os trens param, os bondes e barcos param, a tv e o rádio ficam mudos. Todos silenciam.

É uma homenagem e ao mesmo tempo um momento para que cada um pare para pensar sobre quão graves são as guerras, e quão trágica é sua herança de morte. O mais triste é saber que elas ainda acontecem e que todos os dias atrocidades são cometidas no Congo, no Sudão, no Iraque, no Afeganistão... e sabe-se lá em quantos outros lugares que não estão na mídia.

Eu moro numa praça linda em Amsterdã, a Merwedeplein. Um lugar tranquilo, onde só se ouve o som dos pássaros cantando nas árvores, das crianças brincando e jogando bola na grama. Até o trânsito aqui é silencioso, porque é basicamente de ciclistas, já que o formato triangular da praça faz com que os carros prefiram outras rotas. A guerra não poderia estar mais distante.

Nesta mesma praça, bem em frente ao meu apartamento, morava a família Frank. 'Het Achterhuis' ('A casa de trás' - mais conhecido no Brasil como 'O Diário de Anne Frank'), um dos livros mais vendidos em todo o mundo, começou a ser escrito aqui, como um inocente diário de adolescente. As drásticas mudanças na vida da família Frank, quando tiveram que deixar o apartamento da Merwedeplein e se esconder dos nazistas na casa de trás da firma de Otto Frank, no Prinsengracht - que hoje abriga o Museu Casa de Anne Frank -, são contadas por Anne de maneira tocante num relato pessoal que acabou se transformando num dos mais importantes registros da Segunda Guerra Mundial. Sua voz deu ao mundo um rosto para os milhões de judeus que sofreram os horrores da guerra.

Anne Frank morreu num campo de concentração nazista em Bergen-Belsen, aos 15 anos, no início de março de 1945 - um mês antes do campo ser libertado pelos ingleses.

É muito provável que os antigos moradores do meu apartamento também fossem judeus e que também tenham morrido num campo de concentração.

A guerra não está tão longe assim.

Vindo pra casa de bonde outro dia, vi uma mulher negra que me chamou a atenção pelos cabelos muito, muito longos, com dreadlocks finos, bonitos, quase batendo no joelho. Só quando saiu do bonde percebi que tinha uma enorme cicatriz indo do canto da boca até quase a orelha - uma das horríveis formas de mutilação feitas pelos hutus contra os tutsis em Ruanda no conflito que resultou na morte de quase um milhão de pessoas em 1994.

A guerra está muito mais perto do que parece.

Para a trilha sonora de hoje, dois minutos de silêncio...

domingo, 3 de maio de 2009

Nova Amsterdã

Muita gente não sabe, mas o nome original de Nova York era Nova Amsterdã. O capitão Henry Hudson (que era inglês, mas trabalhava para a holandesa VOC - a Companhia das Índias, nossa velha conhecida das aulas de História...) chegou à costa leste do Estados Unidos com o navio holandês 'De Halve Maen' (A Meia Lua) em 1609 e encontrou a ilha de Manahatta, então habitada por indígenas e hoje conhecida como Manhattan. Querendo começar um novo posto de comércio, os holandeses compraram a ilha dos nativos, pagando na época 60 florins.

Daí o fato de bairros e locais de NY terem nomes holandeses, como Harlem e Wall Street (originalmente De Waalstraat, em referência ao rio de mesmo nome que passa pela Holanda - e eu, por acaso, moro na esquina da Waalstraat em Amsterdã).

400 anos depois, as duas cidades ainda mantêm algumas coisas em comum, como a enorme mistura de nacionalidades (item no qual Amsterdã, aliás, ganha de NY). A influência holandesa é de séculos atrás, mas ainda pode ser sentida - uma das razões pelas quais quem visita NY percebe imediatamente que a cidade é muito diferente do restante dos EUA.

Para comemorar os 400 anos da chegada de Hudson à ilha, o Rijksmuseum em Amsterdã está exibindo alguns documentos históricos, como a carta que comprova a compra de Manhattan pelos tais 60 florins (convertendo para a moeda atual, mais ou menos 30 euros, que mesmo na época não era nenhuma soma fabulosa...)

Fazendo uma conexão pessoal entre as duas cidades, escolho para a trilha sonora de hoje a nova-iorquina Esperanza Spalding, que vi e ouvi pela primeira vez no palco da Bimhuis, na velha Amsterdã.