segunda-feira, 4 de maio de 2009

Repensamentos

A Holanda relembra no dia 4 de maio as vítimas da Segunda Guerra Mundial e de todas as guerras. No Herdenkingsdag, o país faz dois minutos de completo silêncio, sempre a partir das 20h. Os carros param, os trens param, os bondes e barcos param, a tv e o rádio ficam mudos. Todos silenciam.

É uma homenagem e ao mesmo tempo um momento para que cada um pare para pensar sobre quão graves são as guerras, e quão trágica é sua herança de morte. O mais triste é saber que elas ainda acontecem e que todos os dias atrocidades são cometidas no Congo, no Sudão, no Iraque, no Afeganistão... e sabe-se lá em quantos outros lugares que não estão na mídia.

Eu moro numa praça linda em Amsterdã, a Merwedeplein. Um lugar tranquilo, onde só se ouve o som dos pássaros cantando nas árvores, das crianças brincando e jogando bola na grama. Até o trânsito aqui é silencioso, porque é basicamente de ciclistas, já que o formato triangular da praça faz com que os carros prefiram outras rotas. A guerra não poderia estar mais distante.

Nesta mesma praça, bem em frente ao meu apartamento, morava a família Frank. 'Het Achterhuis' ('A casa de trás' - mais conhecido no Brasil como 'O Diário de Anne Frank'), um dos livros mais vendidos em todo o mundo, começou a ser escrito aqui, como um inocente diário de adolescente. As drásticas mudanças na vida da família Frank, quando tiveram que deixar o apartamento da Merwedeplein e se esconder dos nazistas na casa de trás da firma de Otto Frank, no Prinsengracht - que hoje abriga o Museu Casa de Anne Frank -, são contadas por Anne de maneira tocante num relato pessoal que acabou se transformando num dos mais importantes registros da Segunda Guerra Mundial. Sua voz deu ao mundo um rosto para os milhões de judeus que sofreram os horrores da guerra.

Anne Frank morreu num campo de concentração nazista em Bergen-Belsen, aos 15 anos, no início de março de 1945 - um mês antes do campo ser libertado pelos ingleses.

É muito provável que os antigos moradores do meu apartamento também fossem judeus e que também tenham morrido num campo de concentração.

A guerra não está tão longe assim.

Vindo pra casa de bonde outro dia, vi uma mulher negra que me chamou a atenção pelos cabelos muito, muito longos, com dreadlocks finos, bonitos, quase batendo no joelho. Só quando saiu do bonde percebi que tinha uma enorme cicatriz indo do canto da boca até quase a orelha - uma das horríveis formas de mutilação feitas pelos hutus contra os tutsis em Ruanda no conflito que resultou na morte de quase um milhão de pessoas em 1994.

A guerra está muito mais perto do que parece.

Para a trilha sonora de hoje, dois minutos de silêncio...

3 comentários:

  1. O maior estupidez das guerras é que, desde o século passado, os alvos deixaram de ser apenas o exército inimigo, passando a ser civis inocentes. É o que ocorre no Afeganistão, na guerra dos EUA contra o Talibã, ou nos territórios palestinos, na guerra de Israel contra os terroristas do Hamas.

    ResponderExcluir
  2. Está ótimo seu blog! Nada como uma profissional que escreve bem sobre assuntos interessantes.
    um beijo
    Debora Santiago

    ResponderExcluir